Cláudio Guedes Fernandes: Por um mundo menos desigual

Publicado em Entrevista & Opinião no dia 20/05/2015

Imagine um mundo sem fome, com educação básica de qualidade para todos e igualdade entre os sexos. Para voluntários do mundo inteiro, esse cenário pode e deve ser real. Atualmente, a ONU ferve com as discussões sobre esses e outros cinco temas listados, há 15 anos, entre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. O prazo para o alcance dessas oito metas para um mundo melhor será encerrado no próximo mês de setembro. É chegada a hora dos balanços e de um olhar sobre novos desafios para os próximos quinze anos. Desta vez, está em debate a construção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, cujo mote principal é erradicação da pobreza e redução da desigualdade. O economista Cláudio Guedes Fernandes, nascido na Bahia, mas morador do Recife, participa ativamente das discussões. Esteve recentemente na ONU, onde apresentou a proposta de taxar as grandes transações financeiras no mundo. O dinheiro serviria para financiar projetos de inovação e de sustentabilidade social e ambiental, garantir recursos para a sociedade civil e também para órgãos governamentais que possam competir através de editais, de projetos específicos. A ideia inovadora é da ONG Gestos, Associação Brasileira de ONGs (Abong) e do site Outras Palavras.

O senhor esteve na ONU recentemente  para discutir a agenda pós 2015 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e participar da preparação para a Conferência Internacional do Financiamento para o Desenvolvimento. Como estão as discussões?
Neste momento, os países membros da ONU estão discutindo duas negociações importantes que vão afetar a a economia e o desenvolvimento econômico do mundo pelos próximos quinze anos. A Conferência Internacional do Financiamento para o Desenvolvimento e a agenda pós 2015 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sob o tripé econômico, social e ambiental. Os ODS têm como objetivos principais erradicar a pobreza e reduzir a desigualdade. Na ONU, representei a sociedade civil brasileira quando falei, no mês de abril, em preparação para a Conferência Internacional do Financiamento para o Desenvolvimento, que vai ocorrer em julho, na capital da Etiópia. As conferências da ONU têm um processo de negociação que ocorre com antecedência, envolvendo várias rodadas de negociação entre os países e as outras partes interessadas: sociedade civil, setor privado e agências da ONU. Nos anos 1990, a ONU passou a desenvolver conferências que envolviam consultas sobre questões de situação conjuntural da sociedade. Começou com a Rio 92, primeira vez que foi organizada uma conferência para debater a situação climática no mundo. Em seguida, aconteceu a Conferência de Beijing, sobre população e desenvolvimento, e várias outras sobre drogas e saúde, por exemplo. Em 2002, no México, aconteceu a primeira Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento. No caso da agenda pós 2015, trata-se também de um processo baseado nos ganhos e nas questões que não foram completas da agenda pactuada em 2000. Naquele ano, o secretário geral da ONU, Kofi Annan, elaborou um plano chamado Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. O deadline desses objetivos seria 2015. Chegamos. Aqueles oito objetivos hoje mostram que, apesar dos avanços, tivemos muitas dificuldades para implantá-los. E essas dificuldades fizeram com que alguns avanços não tivessem o resultado esperado. Vamos verificar dessa prática de quinze anos mais dez anos das conferências o que foi feito de bom e o que não funcionou.

O que funcionou e o que não funcionou?
Há dificuldades políticas, de alocação de recursos, algo que acontece em todo o mundo de maneiras variáveis. No Brasil também acontece, mas, especificamente na América Latina, os objetivos do milênio serviram de plataforma para vários avanços. Um avanço claro e concreto é a institucionalização de ministérios e secretarias de direitos das mulheres, igualdade racial e direitos humanos. Os países começaram a prestar atenção a isso. O que mostra como a política internacional pode influenciar positivamente no processo de desenvolvimento nacional e local. Em 2000, 192 países assinaram o acordo dos objetivos do milênio, mas a assinatura não é vinculante, ou seja, os países não estão obrigados a seguir o acordo. Chegamos em 2015 e em setembro completa quinze anos do prazo. Várias coisas funcionaram e outras não. Tivemos alcance grande, por exemplo, com a criação de um Fundo Global para Aids, Tuberculose e Malária. Recebemos recursos para Aids que substanciaram o acesso aos medicamentos para a doença. Os recursos também pagaram os mosquiteiros na África para segurar o avanço da malária. Hoje há mais dinheiro para combater a tuberculose. Apesar dos recursos terem ido para essas causas, o desenvolvimento econômico, que foi afetado por várias crises, criou um nível de desigualdade e pobreza que fez com que essas doenças, apesar de terem investido cada vez mais para contê-las, voltaram a ter nível de crescimento.

Na ONU, o senhor propôs a instituição de um imposto para viabilizar projetos no mundo.
Nós, ONGs do Brasil, lideradas pela Gestos, Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) e o site Outras Palavras, queremos a implantação de tributos sobre instituições financeiras. A ideia é taxar as grandes transações financeiras no mundo e, com esse dinheiro, financiar projetos de inovação e de sustentabilidade social e ambiental, garantir recursos para a sociedade civil e também para órgãos governamentais que possam competir através de editais, de projetos específicos.

Como funcionaria o imposto na prática?
O dinheiro seria encaminhado para fundos. Hoje em dia, por exemplo, o Fundo Global para Aids, Tuberculose e Malária tem projetos apresentados por países através de mecanismo democrático, com monitoramento envolvendo a sociedade civil. O fundo aprova projetos e eles são implementados. Existem alguns fundos, mas há deficiência de recursos neles. Por exemplo, tem o Fundo para o Fim da Desnutrição e Segurança Alimentar, que pertence à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). Com o imposto, você usa o aparato eletrônico que já existe, pois a transação financeira se beneficiou pela expansão eletrônica, que facilitou o processo do comércio. Temos outras transações financeiras, cheque especial, cartão de crédito, onde pagamos imposto. No nosso caso, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) vai para o Tesouro Nacional do Brasil e o dinheiro é aplicado no que o governo decidir. A ideia é que parte do dinheiro seria repassada pelo Tesouro para um Fundo Nacional de Apoio à Inovação Social e Ambiental, ainda a ser criado. A princípio pedimos 10%. O resto continuaria no Tesouro Nacional para uso não discricionário do governo federal. O Tesouro Nacional também coleta todo o dinheiro da Receita Federal. O orçamento de 2014 aprovado para 2015 foi de R$ 3 trilhões. Só o IOF foi de R$ 33 bilhões. Em uma pizza do orçamento Brasil, percebemos que a maior fatia é para pagar juros da dívida interna e externa do governo. Em 2015, 45,11% do orçamento de R$ 3 trilhões é para pagar juros de dívida. A segunda grande parte do orçamento vai para a Previdência Social, o INSS, aposentadoria e seguro desemprego, que já tem imposto para ela, pois o INSS é recolhido todo mês de quem tem carteira assinada. O nome genérico do imposto é taxa sobre transações financeiras e seria aplicado em todas as transações internacionais. A proposta é que tenha destino específico, que não vá tudo para o Banco Mundial, que é o tesouro do mundo. Queremos que o aporte dessas taxas sobre transações financeiras globais, internacionais ou multijurisdicionais sigam para os fundos que já existem e para novos fundos a serem criados porque eles teriam condições de fiscalizar. O nível de monitoramento de fiscalização do Banco Mundial é zero por conta de implicações políticas.

Fonte: Diário de Pernambuco

Voltar