Entrevista: Representante da ONU fala sobre a luta mundial contra a fome

Publicado em Entrevista & Opinião no dia 27/04/2016

O economista Daniel Silva Balaban começou a carreira no setor privado, mas desde 1995 atua em funções públicas e há pelo menos 12 anos está ligado a órgãos e instituições com trabalho voltado para o combate à fome e para as boas práticas alimentares. Foi analista de finanças do Tesouro Nacional, presidiu o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) e ajudou a criar e organizar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República. Atualmente, é diretor do Centro de Excelência contra a Fome e representante do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas no Brasil. Na última sexta-feira, Balaban fez a palestra “Cooperação Sul-Sul: empoderando países para o desenvolvimento social” no curso de Relações Internacionais da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), em Florianópolis, onde ressaltou a importância da cooperação entre nações em desenvolvimento e defendeu os programas de transferência de renda do governo brasileiro.

Eduardo Valente/ND

Como representante do Programa Mundial de Alimentos da ONU no Brasil, como vê a luta contra a fome aqui e em outros países?

A produção de alimentos é gigantesca no mundo, e continua crescendo. Temos alimentos suficientes para servir a todas as pessoas, em todos os lugares, mas isso não acontece. A solução que encontramos no Brasil foi investir na produção local, que facilita o acesso à comida e reduz a fome. Até poucos anos atrás, populações do interior do Nordeste – sem falar nos grupos indígenas, quilombolas e ribeirinhos – não conheciam determinados alimentos porque, sendo perecíveis, eles não chegavam a tempo de serem consumidos. Hoje, a produção local e a agricultura familiar mantêm as famílias no campo, remuneram o seu trabalho e melhoram a qualidade da alimentação escolar. E mais, ajudam os pequenos mercados, porque as pessoas consomem ali mesmo e não dependem do que vem de outras regiões do país.

O Brasil vem avan&ccedccedil;ando na transferência de renda, mas tem uma dívida social gigantesca a saldar com a sociedade. Como avalia o quadro atual do país nesta área?

O país criou um arcabouço de políticas públicas que é responsável pelos números impressionantes alcançados num período de menos de 15 anos. O programa Fome Zero, por exemplo, diminuiu as disparidades sociais e fez do Brasil o país que mais reduziu o Índice de Gini (parâmetro internacional usado para medir a desigualdade de distribuição de renda entre as nações – o coeficiente varia entre 0 e 1, sendo que quanto mais próximo de zero melhor é a distribuição de renda) em 10 anos – de 0,60 para 0,48. As Nações Unidas e o Banco Mundial aplaudem os efeitos desse trabalho e estão levando o modelo para outros lugares. O mesmo se dá com o Programa de Alimentação Escolar, que a ONU aponta como exemplo a ser seguido. Por outro lado, o Bolsa Família é um programa muito barato: os recursos aplicados correspondem a apenas 0,1% do PIB (Produto Interno Bruto) do país.

O que é prioritário no campo dos programas sociais nos próximos anos?

Se investirmos mais em saúde, educação e infraestrutura, teremos pessoas melhores no futuro, as cidades não vão inchar tanto e será preciso construir menos hospitais e penitenciárias. Com mais cidadania, as famílias não vão migrar para as grandes cidades e se instalar em favelas. Geralmente elas amam o seu lugar, mas saem em busca de salvação. Não se sai da miséria sozinho: o Estado tem a obrigação de ajudar as pessoas, dando-lhes dignidade e cidadania.

Outros países vêm tomando o Brasil como parâmetro para suas ações no campo social. Onde isso é mais acentuado?

Os países da África vêm desenvolvendo programas que se baseiam na experiência brasileira de inclusão social, priorizando a pequena agricultura e as cooperativas para reduzir a dependência externa de alimentos. Hoje, 10 dos 20 países que mais crescem no mundo estão naquele continente – e a inspiração está no modelo brasileiro. Temos hoje a melhor África de todos os tempos. Lá a classe média se desenvolve e os conflitos diminuem porque há menos falta de comida.

Falando em alimentação, há fome de um lado e excesso de consumo em várias frentes. O que era carência virou um problema de saúde pública...

A obesidade é um problema sério, mas hoje as pessoas sabem que muitos alimentos fazem mal, assim como o tabaco. O Estado tem que interferir e regular certas questões, porque a produção industrial visa apenas o lucro. Temos os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável, com debates sobre o efeito estufa, a redução de emissões, o El Niño. Porém os norte-americanos não ratificam os acordos sobre o clima, porque lá os governos precisam do apoio das grandes indústrias, que não querem gastar fortunas para se adaptar a novas formas de produção. Em relação à obesidade, aqui é mais fácil do que nos Estados Unidos para alcançar bons resultados, porque lá o governo se renda à força das grandes indústrias de alimentos.

O tema de sua palestra na UFSC foi a cooperação Sul-Sul, que consiste na troca ente nações com o mesmo nível de desenvolvimento. Tem sido possível avançar nesta área?

Temos dois tipos de cooperação entre as nações: Norte-Sul e Sul-Sul. A primeira exige contrapartidas e tem condicionalidades explícitas, requer muitos investimentos e tem retorno pequeno, ao passo que a outra é feita entre iguais. Baseia-se na troca de experiências e na transferência de tecnologias, sem imposições de qualquer tipo. Este é o futuro da cooperação no planeta, porque envolve políticas sociais, questões relativas ao meio ambiente, à ciência e à tecnologia. Ainda citando o caso da África, vários países do continente se inspiram no Brasil em projetos de alimentação escolar e de transferência de renda, mas executam seus próprios programas, adaptando-os à sua realidade, cultura e economia. A cooperação Sul-Sul tem custo reduzido e permite fazer um bom intercâmbio nas áreas técnicas e do conhecimento.

Fonte: ND Online

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