15/04/2014 | Fonte: BBC

Desvalorização do parto normal torna o Brasil líder mundial de cesáreas

Quando a fotógrafa Daniela Toviansky, de 35 anos, ficou grávida, passou a frequentar aulas de hidroginástica com outras gestantes em estágios próximos de gravidez. Ela lembra que, entre uma aula e outra, todas manifestavam um desejo em comum: ter filhos por parto normal. 'Todas acabaram fazendo cesárea', conta Daniela, que se tornou a exceção. Seu bebê, Sebastião, nasceu após 40 semanas de gestação e da forma como ela queria.

O que aconteceu com as colegas da fotógrafa é uma amostra fiel da situação vivida por muitas grávidas no Brasil hoje, especialmente entre as classes mais altas, em um processo que muitos especialistas vêm chamando de 'a indústria da cesárea brasileira'.

Com 52% dos partos feitos por cesarianas — enquanto o índice recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) é de 15% —, o Brasil é o País recordista desse tipo de parto no mundo. Na rede privada, o índice sobe para 83%, chegando a mais de 90% em algumas maternidades. A intervenção deixou de ser um recurso para salvar vidas e passou, na prática, a ser regra.

Um caso extremo chamou a atenção há três semanas, quando a gaúcha Adelir Lemos de Goes, uma mãe de 29 anos de Torres (RS), foi obrigada por liminar da Justiça a ter seu bebê por cesárea. Ela foi levada à força ao hospital quando já estava em trabalho de parto, provocando debates acalorados sobre até onde a mãe tem o poder de decisão sobre o próprio parto.

O caso também levou centenas de pessoas a saírem às ruas, em cidades do Brasil e do exterior, para protestar na última sexta-feira (11). A manifestação foi batizada de Somos Todas Adelir — Meu Corpo, Minhas Regras.

Mas por que e desde quando o Brasil começou a mergulhar nesta verdadeira epidemia de cesáreas? Falhas profundas na regulamentação do sistema de saúde do País e uma lógica perversa na gestão de profissionais e obstetras que, por questões financeiras, acabaram perdendo o hábito de fazer partos normais são algumas das causas, agravadas principalmente pela falta de informação que cerca o assunto.

Desinformação

Uma pesquisa feita pela Fiocruz (Trajetória das Mulheres na Definição pelo Parto Cesáreo) acompanhou 437 mães que deram à luz no Rio, na saúde suplementar. No início do pré-natal, 70% delas não tinham a cesárea como preferência. Mas 90% acabaram tendo seus filhos e filha assim — em 92% dos casos, a cirurgia foi realizada antes de a mulher entrar em trabalho de parto.

O levantamento dá a medida de que, em algum estágio dos nove meses de gestação, algo fez a mulher mudar de ideia. As pesquisas da Fiocruz mostram a "baixa informação recebida pelas mulheres em relação às vantagens e desvantagens dos diferentes tipos de parto e a baixa participação do médico como fonte desta informação".

O estudo e os profissionais de saúde ouvidos pela BBC apontam que as grávidas, de todas as classes sociais, estão longe de estarem bem informadas.

Poucas mães e futuras mães sabem, por exemplo, que as cesáreas aumentam o risco de um bebê nascer prematuro (com menos de 37 semanas de gestação). Isso porque muitos partos são marcados para essa idade gestacional e, como há possibilidade de erro de até uma semana, o bebê pode ser ainda mais novo. A esmagadora maioria destas intervenções não é feita de forma emergencial, mas, sim, programada.

Além de ser a causa de mais da metade das mortes de crianças no País, a prematuridade pode trazer uma série de riscos para o bebê, especialmente doenças respiratórias e dificuldade de mamar. Eles também não se beneficiam do fato de entrar em contato com hormônios benéficos, liberados apenas em certos estágios do trabalho de parto.

No Brasil, 15 milhões dos bebês nascidos em 2010 eram prematuros, o equivalente a 11,7%, segundo uma pesquisa conjunta feita pelo governo e o Unicef. O índice, que coloca o Brasil na décima posição entre os países com mais prematuridade, é mais alto nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste — justamente as que têm mais cesarianas, o que pode indicar uma relação entre os dois fatores.

Além disso, a falta de informação no pré-natal faz com que não haja espaço para esclarecimentos de como a mulher pode lidar com a dor ou outros aspectos, como o que exatamente vai acontecer no parto e como se preparar.

"Muitas vezes, o médico não explica questões sexuais para a grávida, por exemplo", conta Etelvino Trindade, presidente da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).

— Então elas vão se informar com a vizinha, a avó, a prima... e elas sempre têm uma história sobre o parto normal, seja ela escabrosa ou apenas mentirosa. É bastante arraigada a noção de que o parto normal vai deixar a mulher 'larga' e, assim, sexualmente inadequada. A cesárea é uma alternativa a esse medo. Mas isso acontece porque há um tabu em se falar sobre esses temas e porque hoje o médico é muito técnico. É um curador, não um cuidador.

 

 

Para ler a notícia na íntegra, clique aqui.

Voltar